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terça-feira, 23 de março de 2010

A Igreja céu do Prozac

Os ayahuasqueiros, tudo indica, descobriram o meu blog. Não acho que seja o melhor lugar para o debate que pretendem fazer, especialmente porque parece existir uma guerra entre correntes de pessoas que tomam o tal chá… Bem, eu não tomo. E tendo a resistir a uma religião que recorre a uma bebida alucinógena — e não me venham dizer que não é porque é; a substância ativa é um alucinógeno — para, sei lá, completar a sua metafísica. O fato de a droga ter sido liberada para uso ritual não me convence, comove ou demove. Um lobby bem-sucedido não altera a composição química daquele líquido.

Que a administração da bebida pode ser irresponsável, prova-o Cadu, o assassino de Glauco e Raoni. Se o chá teve algo a ver com a sua morte, não tenho idéia. Mas tenho a certeza de que esse rapaz e o daime não faziam uma boa parceria, não é mesmo? Se as igrejas do daime dizem livrar as pessoas das drogas, vão atrair um público específico. Muitas das pessoas chegam lá tomando remédios psicoativos. Quem estudou a sua interação com o daime? Pode misturar com fluoxetina, sertralina, bupropiona, drogas legais hoje muito difundidas? Quem sabe?

Também não me venham com asnices como “é uma bebida ancestral”, como se a ancestralidade a tornasse necessariamente benéfica. O fato de o chá estar sendo usado num contexto muito distinto daquele da alegada “ancestralidade” ou de sua recuperação relativamente recente, na selva do Acre, recomenda especial cuidado. Vejo nisso um desses modismos típicos dos descolados das classes média e média-alta, que, volta e meia, sentem falta de algum retorno à pureza da vida selvagem. E há, não dá para ignorar, o conforto de consumir uma droga sem risco de ser molestado pela polícia.

SOU CAPAZ DE APOSTAR QUE HÁ MAIS AYAHUASQUEIROS COM DIPLOMA UNIVERSITÁRIO DO QUE SEM ELE. NÃO SE PODE DIZER QUE SEJA UMA RELIGIÃO QUE “PEGOU” NO POVÃO, NÃO É MESMO? A razão é simples: o “povão” sabe que droga, legal ou ilegal, não é uma coisa boa e é o primeiro a pagar o pato pela sua disseminação.

Cada um na sua! A bebida é legal para fins rituais? Pois que seus consumidores façam bom proveito! Mas não venham com histórias. Um dia o Prozac também será ancestral. Talvez alguém resolva fazer uma igreja em sua homenagem — já fizeram uma até para Maradona. Meus respeitos a todos, claro! Já me perguntaram como posso pertencer a uma religião que “adora” um sujeito pregado num pedaço de pau. Não vou aqui ficar fazendo comparações, não neste texto ao menos. Ainda que as metafísicas, claramente distintas, fossem equivalentes, a minha escolha não seria a religião do daime, como resta evidente. Mas que não se tente patrulhar o noticiário em nome do combate a um suposto preconceito religioso.
Há uma religião — ou, parece, religiões — que recorre a uma bebida alucinógena para realizar plenamente o seu ritual. E isso traz conseqüências que estão fora do escopo puramente religioso. Tratar do assunto não torna Glauco e Raoni culpados pela tragédia. Tratar do assunto põe o evento infeliz na sua devida dimensão. Fosse Cadu um bandido comum, como se tentou dar a entender no começo, vá lá. Mas não é. Era um fardado da igreja de seu “padrinho” — padrinho que ele matou. Não há ancestralidade que mude essa realidade.
Quanto à Igreja Céu do Prozac, ninguém precisa se agastar. Não há desrespeito nenhum! Ao contrário! Há quem reverencie um “chá ancestral”. E há quem reverencie a indústria farmacêutica que criou os antidepressivos, por exemplo. Creio que ela salvou milhões de vidas, mais do que o daime conseguirá salvar. Se um ser superior instruiu o primeiro homem que chegou ao Daime, por que não poderia ter instruído o que chegou ao Prozac? Se alguém tiver uma boa resposta, publico.
Não! Eu não faria essa igreja. Já tenho a minha. Mesmo com as pernas quebradas, coitada!, acredita que pode salvar os homens pela conversão ética. Respeito, sim, outras religiões — não todas, é fato, embora não faça proselitismo contra elas; tendo a desprezar as que são mais novas do que o uísque que eu bebo — uma droga também legal, nada santa…
Não! Eu não desrespeito ninguém! Mas os ayahuasqueiros que não venham cobrar de mim o comportamento de “fiel” cego de tanta luz. Não o tenho nem quando o assunto é a minha religião, como se verá abaixo. O daime pode e deve ser debatido como qualquer outra coisa. E parem de me enviar tolices como “se você se informasse, veria…” ou, ainda, “pare de escrever sobre o que não entende…” Duas besteiras:
1 - porque não escrevo o que o sujeito gostaria de ler, ele logo acha que me falta informação;
2 - se, para entender o daime, é preciso ser do daime, estão fazendo aqui o quê? Eu não sou! Pois que participem, então, apenas dos debates com os próprios parceiros de religião, ora essa!

E já disse: um bom modo de eu não parar de escrever sobre um assunto é começar a gritaria para que eu pare de escrever sobre o assunto.

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Reinaldo Azevedo

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